Direito fundamental

Quando mobilidade é quase serviço de luxo

O Diário Popular acompanhou um cadeirante em tentativas de contato com alguns serviços

Carlos Queiroz -

Todo dia ele faz tudo sempre igual - e passa pelos mesmos perrengues: calçadas desniveladas, ruas esburacadas, rampas de acesso escassas, além de poças de água herdadas pelas chuvas. Sobre a cadeira de rodas, Luiz Fernando Borges, de 61 anos, carrega a história contada pelo corpo. Após dar os primeiros passos, aos dois anos de idade, foi vítima de uma poliomielite que lhe roubou o movimento das pernas. Desde então, precisou adaptar-se à própria condição. Com a força braçal, enfrenta cenários precários. Os problemas saem das ruas e se estendem ao transporte público e ao acesso a prédios históricos.

Atualmente morador do Areal, Luiz Fernando tem a sorte de também trabalhar no bairro. Ainda que a cinco quadras de distância, as chegadas e partidas relativas ao educandário Ginásio do Areal, onde atua na secretaria, tornam-se diariamente estratégicas. "Aqui começa meu combate de 30 anos", descreve, sobre a luta travada com as calçadas sem rampas. Segundo ele, acaba percorrendo caminhos mais distantes em função da falta de acessos. "Fico procurando atalhos, às vezes vou uma quadra a mais, duas... Depende do estado da rua", relata.

A condição, porém, não é exclusividade dos bairros. Na região central é alta a dificuldade de percorrer tranquilamente as calçadas sobre duas rodas. Militante dos direitos de pessoas com deficiência física e coordenador estadual do Movimento Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência, Luiz Fernando conhece - e convive com - as feridas de Pelotas em relação à mobilidade e acessibilidade.

O Diário Popular acompanhou o cadeirante em tentativas de contato com alguns serviços. O problema começa já na espera por embarcar em ônibus. Atualmente, não costuma utilizar transporte público, entretanto, por tradicionalmente aguardar, no ponto de ônibus, a esposa voltar do trabalho, ele calcula a frequência com que passam veículos com acessibilidade para cadeirantes. "Já precisei muito andar de ônibus e diria que a cada três passa um pra pessoas como eu. Isso vem mudando, mas ainda falta muito... A gente tem que sair de casa com horário certo, senão perde o ônibus e se atrasa", alega. Com a licitação do transporte coletivo urbano a maioria dos veículos da nova frota deve conter rampas para cadeirantes.

Serviços e acessos
O Sine anunciou na última semana a abertura de sete vagas de emprego para pessoas com deficiência, em diferentes áreas. A questão é como chegar ao órgão. Na entrada do prédio, no cruzamento das ruas Lobo da Costa e General Osório, é colocada uma rampa móvel para possibilitar o acesso de cadeirantes. "O problema aqui é que em nenhuma esquina tem rampa", critica. Assim, ao descer do ônibus pela Osório, não é simplesmente atravessar a rua e chegar ao Sine. Neste caso, é necessário percorrer uma quadra até encontrar uma rampa. Situação parecida com a que Luiz Fernando vive no bairro Areal.

Do Sine à prefeitura, os problemas no calçamento conseguem impedir uma passagem pacífica. Ao chegar, a entrada de cadeirantes pode ser feita pelos fundos da edificação - apesar disto, não há placas de orientação referentes. Situação que se repete na Bibliotheca Pública e na maioria dos lugares que possuem acessos alternativos. "Não adianta ter rampa e não ter identificação", reivindica o cadeirante. Ainda no Centro Histórico, a praça Coronel Pedro Osório não está preparada para que cadeirantes do gênero feminino utilizem o banheiro - apenas a ala masculina é adaptada. Em contrapartida, a agência do banco HSBC da praça é um exemplo positivo: possui rampa e adesivo indicativo.

Na 5ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), onde frequenta para reuniões relativas à instituição onde trabalha, não existe rampas na entrada nem na calçada. O acesso de cadeirantes deve ser feito pela garagem do prédio. A entrada da Faculdade de Arquitetura e o Conservatório de Música, ambos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), também deixam a desejar no quesito mobilidade.

Já as edificações do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da UFPel, campus da Gonçalves Chaves da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), do Foro da Comarca de Pelotas, para citar alguns exemplos, são considerados mais avançados, conforme Luiz Fernando. Entretanto, a localidade da empresa Rocha Brito - Serviço Notarial e Registral destaca-se: todo o trecho ocupado na rua Três de Maio possui sinalização na calçada - para pessoas com deficiência visual ou cegas - e uma ampla rampa de acesso. Dentro, duas elevações são disponibilizadas, em caso de uma estragar. "Não tem nada de heroico em estar numa cadeira de rodas, eu não sou um exemplo de superação ou coisa parecida. Ainda temos muito pra mudar e melhorar", conclui o cadeirante.

Propostas
Em agosto de 2015, durante a 16ª Semana da Pessoa com Deficiente, a prefeitura apresentou iniciativas do Poder Público para esse público, como o Serviço de Apoio à Pessoa com Deficiência, desenvolvido pela Secretaria de Justiça Social e Segurança (SJSS), e o projeto Praça Acessível, da Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA). A cidade também conta com o Comitê Gestor Municipal de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência, representado por dez secretarias municipais.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Estratégia para promover o Porto de Pelotas

Prefeitura Rio Grande prorroga intervenção municipal na Santa Casa Próximo

Prefeitura Rio Grande prorroga intervenção municipal na Santa Casa

Deixe seu comentário